Para os heróis das pequenas ações


Essa é uma história de uma cena linda de transporte público. Cheguei da faculdade depois das 23h num terminal de ônibus da zona leste de São Paulo. Entrei no Jardim Walkiria. Sentei num dos bancos antes de passar a catraca, aproveitando a vista da janela (adoro ver movimento). Estava batalhando pra fazer o lado esquerdo do meu fone de ouvido voltar a funcionar.
Lá pela quinta música um menino e sentou do meu lado. Ele deve estar na casa dos 25 anos. Muito cheiroso, já agradeço por isso, estávamos ambos de preto. Acho que ele estava saindo do trabalho, roupas simples mas com certa formalidade. No banco ao meu lado, antes dele sentar, havia um pacote de bolachas vazio, que eu nem percebi quando cheguei. Mas ele sim. Tirou o pacote e ficou segurando na mão direita.
Continuamos o trajeto, eu no meu fone de ouvido, ele com a mochila e o pacote vazio. Em uma das paradas do ônibus num semáforo, ele colocou a mochila no banco e deu aquele misto de corrida e pulo pra alcançar a pequena lixeira próxima a porta de entrada do ônibus. Eu não sei se ele percebeu que eu já estava sorrindo com aquela cena. É o tipo de gentileza (quase) invisível, sem destinatário e agradecimento direto, que eu admiro e sempre tenho vontade de elogiar.
Rapidamente chegamos perto do meu desembarque. Com celular, mochila, chave e guarda-chuva para transportar, sabia que as chances de algo cair eram grandes. Coloquei o celular num bolso, a chave na mão do lado que encaixaria primeiro a mochila e levantei. O guarda-chuva ficou por último, pendurado no banco a nossa frente. Antes que eu pudesse colocar a outra alça da mochila, ele gentilmente me estendeu meu guarda-chuva, com um sorriso tão luminoso que contrastava com todo o escuro, das suas roupas e das minhas, do ônibus e da própria noite. Tenho certeza que naqueles segundos a zona leste ficou mais clara.
Agradeci retribuindo o sorriso e passei a catraca. Fiquei os dois pontos seguintes pensando se deveria parabenizá-lo. E não me entenda mal, ele não tá de parabéns pelo sorriso em si. Isso só reflete a energia de cada pequena ação: após um dia cheio, manter o cuidado com o ambiente coletivo e com uma estranha, não por pressão social, mas fazer isso de forma leve e até afetuosa. Gostaria muito de dar parabéns a cada pessoa que já vi cuidando de um mundo que nem sempre vai demonstrar gratidão ou reconhecimento. Vocês são vistos, inspiram pela alegria e atitude. Ouso dizer que são heróis de um mundo mais focado em "parecer" do que "ser". Porque vocês são. Fazer sem aplausos me diz mais sobre vocês do que qualquer rede social. Obrigada aos heróis das pequenas ações. Mesmo que ningém diga, vocês salvam os dias. 

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