A segunda Esperança - para fazer as pazes com os medos
São
Bernardo do Campo, 10 de setembro de 2019
Ouvi a segunda ameaça de Esperança aqui em casa (a primeira experiência
da saga está aqui). Esperança como sentimento também, chegaremos lá. Mas de
início, achei que era só o barulho das asinhas que me tiraram do eixo no
domingo. Essa segunda visita foi na terça-feira, depois das 19h. Eu não me
sentia mais no direito de tirar alguém de casa depois de um dia longo de
trabalho. Com meu jantar seguro dentro do micro-ondas, já pronto para consumo,
abandonei minha cozinha para a possível amiga (que segundo minha percepção
estava próxima ao meu fogão) e me tranquei no quarto. Nunca amei tanto a
invenção das portas.
Liguei para o meu pai, na esperança de que sua experiência no campo me
ajudasse com a minha inexperiência em estar sozinha com uma Esperança em casa. E
aí as coisas tomaram uma dimensão menos literal. Meu pai me apoiou muito, ficou
preocupado, mas eu me senti pressionada. Para ele não faz sentido que eu tenha
medo da Esperança. E na verdade, para ele não faz sentido que eu tenha medo de
nada. Um papo de coach ótimo se eu estivesse num bom humor. Mas as duras falas
encima do meu medo esmagaram minha vontade de agir contra o que tomara meu
espaço na minha casa.
Liguei para minha mãe. Nós não fomos sempre próximas, então é uma
construção diária abrir meus problemas para ela. Ao mesmo tempo, tenho todo
orgulho do mundo por ter sido criada e até hoje ser extremamente amada por uma
mulher tão forte. Ligar para ela foi minha melhor decisão. Ela me ouviu
pacientemente e compartilhou dos meus medos. Contou como já se sentiu assim.
Lembrou da técnica que já usamos juntas várias vezes: “Vai com medo mesmo.” Com
jeitinho de mãe ela valorizou e ao mesmo tempo normalizou o que eu sentia. Isso
me fez um bem danado. E sem perceber me lançou um desafio: “Por que você tem tanto
medo dela?”
Eu nunca tive pavor de insetos. Aliás, das amigas eu sou a que mata as
baratas. Tenho bastante receio sim de animais pequenos que voam. Mas nunca
nessa medida. Quando meu amigo veio em casa me ajudar com o mesmo problema,
olhei com ele os móveis da sala em busca da Esperança. Então por que não a enfrentei
quando estava sozinha?
Pensava nos cenários. "Mesmo se ela tocar em você, não vai te
machucar.", ouvi muitas vezes. Mas eu podia me machucar fugindo dela. E
também não queria machucá-la. Mesmo sem vê-la eu sabia que estava ali. E eu não
me sentia capaz de tirar ela da minha casa. Não queria matá-la. Não queria que
encostasse em mim. Não queria vê-la de perto. Ainda tenho medo da Esperança
assim tão perto. Prefiro que fique do lado de fora. Prefiro não me sentir
ameaçada. E essa Esperança me lembra daqueles outros bichinhos, esses só do
plano metafórico, que chamamos de Expectativas. Esses eu também não queria
alimentar na minha casa.
Chegamos então ao insight. Eu, otimista que sou e mais ou menos
racional, não tenho medo assim da Esperança – nem em inseto nem em sentimento.
Acho que meu maior medo é essa sensação de solidão. De resolver meus problemas
sozinha. Afinal, mesmo que já tenha vivido sem meus pais, a vida em república é
sinônimo de casa cheia (e por sorte, a minha foi uma nova família). Nessa minha
nova fase é a primeira vez que não encontro ninguém em casa na hora do jantar.
Percebi o óbvio de que sem meus pais por perto, não tem mais ninguém
para cruzar a cidade por mim. E claro que isso é normal. Saudável, inclusive.
Mas doeu enxergar isso com clareza. Doeu imaginar que Esperanças e ataques
podem chegar a mim e se eu me machucar, só eu vou estar aqui pra cuidar das
minhas feridas. Mesmo depois de um dia cansativo. Mesmo quando eu precisar de
colo. E essa é a parte da vida adulta que eu não escolhi. E tudo bem. Na
verdade tem algo de lindo nisso também.
A gente nasce e morre sozinhos. E cada momento a sós é essa oportunidade
única para desfrutar, até dos meus medos. De uma perspectiva que só eu vou ter.
De uma experiência que nunca será 100% transmitida. Então viver sem a pretensão
de que alguém um dia me cuide tanto quanto meus pais fariam, e no máximo buscar
que eu me cuide tão bem para honrar os seus cuidados, é o suficiente. Eu já
tenho todo o amor do mundo. E nessa uma hora ao telefone com a minha mãe e
amiga me lembrei o que é amor de verdade.
Meu comportamento também tem a ver com me apropriar do espaço. Da casa
também, mas do meu espaço em geral. Me impor fora da minha zona de conforto. Me
expor à onde a vida acontece de verdade. À vida e às coisas que eu quero. Mesmo
com os desafios inclusos. Tem a ver com encarar os dias ruins sozinha. E saber
aproveitar os bons. E saber que tudo bem independência e medo se misturarem.
Isso não me torna menos corajosa. Nem diminui meu crescimento.
Também
não me diminui se eu tiver uma Esperança e ela voar para longe. Ou nem entrar.
Ou se ela dividir um espaço comigo por um tempo. Na verdade, no final dessa
saga a Esperança é bem-vinda. E a sensação de estar sozinha, que eu poucas
vezes experimentei, também. Foram horas para perceber e processar minha
fragilidade e carência, enfrentando um dilema que aos 8 anos eu teria resolvido
melhor do que há dois dias. Me permitindo aprender com essa folhinha verde e
viva que mal se revelava à minha vista mas que me causou tanto impacto nos
últimos dias. Consegui me deixar impactar por quem eu sou e por todo o meu
processo de crescer. E estou extremamente feliz por ter tido essa chance de
aprender e sorrir com essa história, exatamente como aconteceu. E espero que
você também enfrente/aprenda (e depois faça amizade) com a sua própria
Esperança.
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