O barulho estranho na minha sala - sobre como o monstro é o medo que faz


São Bernardo do Campo, 08 de setembro de 2019.

Era meu primeiro dia da jornada de morar sozinha. A amiga com quem divido apartamento saiu em viagem pelos próximos meses. Depois de falar sobre todos os dilemas amoros e terminarmos a segunda garrafa de vinho, meu amigo também foi embora. E eu tinha abraçado o restante do dia para me dedicar a mim mesma.
Comprei itens para o café da manhã, preparei as refeições da semana, cuidei de algumas baguncinhas que eu queria organizar há um tempo e, depois do banho e do jantar, comecei o TCC. Eis que um barulho curioso chama a minha atenção.
Já passara um pouco das nove da noite. Ouvi uma sequência de bater asas, numa sucessão de mais ou menos 10 repetições rápidas numa série de 2, com largo espaço até a dupla de batidas seguintes. Tinha um inseto na minha sala.
Normalmente, isso não me abalaria. No geral, com uma barata no chão ou uma aranha na parede eu consigo lidar bem. Mas esse barulho misterioso, de algo que eu não conseguia ver, se transformava num monstro pré-histórico alado muito além dos meus conhecimentos de combate. Assim que fiz a única coisa possível. Liguei para o meu pai e comecei a mobilizar as possíveis ajudas mais próximas, na esperança de que alguém pudesse me ajudar a enfrentar isso que eu nem sabia o que era.
Ao telefone, meu pai estava entre a preocupação e o riso. "Acho que eu não te preparei bem pra essa parte." E eu mesma na minha insegurança achava graça de todas as outras coragens que eu tenho nesse segundo sendo contestadas por essa impotência contra nosso amiguinho com asas. Ou amiguinha.
Pois bem, nenhum desses pensamentos me deixava mais calma e a coisa piorava quando meu pai contava sobre todos os animais - para além de insetos - ele já havia encontrado no sertão de Pernambuco. Por sorte, um anjo tão bem intencionado quanto meu pai, só que muito mais perto e sensato, atendeu ao meu chamado. Math, essa noite você me salvou!
Tirei meu amigo de casa com um "por favor passa aqui, não consigo enfrentar esse barulho" e uma descrição da cena. Que nem seria necessária. Com todo o carinho e paciência do mundo ele se colocou a caminho. (Inclusive, pausa aqui para agradecer quem partilhou desse momento cômico me enchendo de amor e técnicas de independência contra os insetos. Sempre me enche de esperança ver o quanto as pessoas se dedicam uma pelas outras. Cada um de vocês faz do mundo um lugar melhor - e fazem meu mundo muito mais incrível.)
Enquanto esperava a chegada desse herói, estava de pé na sala, sem coragem de encostar em muita coisa, olhando para minha janela. Afinal, ao menor sinal de movimentação eu estava disposta a deixar minha casa de presente ao novo morador até encontrar meio de retomar a posse. E aí a vi.
Uma esperança na minha janela. Gigante, diga-se de passagem. Ela estava do lado de fora. Tentando entrar porque a luz estava acesa. Muitas luzes, inclusive - migrei meu pisca-pisca do quarto para a sala, numa espécie de acampamento de reflexão com o amigo do vinho, e essas luzes estavam inspirando o final do meu dia.
Muito menos poética que a Clarisse quando vê a esperança, a simples menção a um inseto maior que um pernilongo na minha sala já me fez surtar. A esperança nem estava do lado de dentro e eu já tinha medo dela. E semelhanças com o sentido metafórico não são meras coincidências.
Meu anjo-amigo chegou em menos de trinta minutos e fui recebê-lo no portão do condomínio. Presenteada com uma noite agradável dessas que anunciam a proximidade da primavera. E uma Lua linda, ainda em seu processo de crescimento. Lembrei-me que os bichinhos, assim como eu, saem mais no calor e “gostam” desse clima. Minha preocupação com meus próximos meses sozinha cresceu, mas de fato não poderia culpá-los. Luz e calor fazem, em alguma medida, bem para a vida.
Subimos juntos, eu ainda um pouco constrangida e ele me trazendo docinhos de aniversário para quando a saga estivesse completa. Percorremos juntos todos os cômodos da casa para constatar que não havia nenhuma ameaça interna. Tomamos um tempo para admirar nossa amiguinha, que calma e curiosamente buscava seu caminho até a luz. Ela andou um pouco pelo vidro, quase caiu e pousou no parapeito da janela. Subiu na grade e ensaiou seu voo. Não vi esse momento, mas tive a sorte de vê-la já em movimento, a alguns metros do espaço em que esta história se iniciou.
Hoje o que vi foi um caso de “ameaça” era inofensiva e externa. Como muito dos nossos medos. E em mais uma dessas frase da sabedoria paternal: “o monstro é o medo que faz”. Deixei minha mente alimentar as teorias de como eu poderia de alguma maneira ser atingida e machucada por isso que ainda nem conseguia ver. Me deixei privar do meu espaço e minha paz por medo a algo que, mesmo não fosse a esperança, tudo indicava era muito menor do que eu e sem intenção de me machucar. Mesmo essa racionalização não foi maior do que o medo com contato a esse pequeno ser que desafiava minha bagagem de sobrevivência anterior.
A esperança veio me visitar hoje. E eu tive tanto medo por não saber o que ela era, e o que poderia fazer, que quase perdi a chance de aproveitar a visita.
Por algum tempo ainda vou ter medo de abrir a janela e deixar algo que não conheço entrar. Mas com o tempo acho que vou perdendo o medo. Vou descobrindo mais a naturalidade da vida. Vou aproveitando mais as surpresas e até os barulhinhos que me tiram do que estou fazendo para admirar o que está a presente. E talvez, numa próxima, eu já não tenha mais medo algum. Afinal, ainda quero muito calor e luz na minha vida. E que toda esperança, que fica e que vai, encontre muita luz pelo caminho.  



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