Pertencer e Habitar
Às vezes me dá vontade de não
pertencer. Entendo a segurança que dá estar em casa, com pessoas que me
conhecem até a raiz do fio de cabelo, que sabem minhas qualidades e defeitos e
me apoiam tanto, nos altos e baixos. Mas também quero um ambiente em que não
haja ainda história escrita por mim. Em que a sensação da folha em branco a ser
preenchida seja muito maior do que a sensação dos caminhos entalhados nessa
cidade, que parecem muito bem desenhados antes mesmo de eu aprender a andar.
Eu acredito que cada um pode
escrever seu caminho. E tenho vontade de me reescrever várias vezes. Quero
reescrever ou escrever pela primeira vez uma Morena, Ruiva, Loira, Avatar, o
que seja, mas que seja onde eu possa descobrir mais de quem sou. E de quem
quero ser.
Viajar tem disso, de chegar a um
novo lugar em que você ainda não se escreveu para ninguém. Não tem raízes, não
tem histórico para comparação e as pessoas não têm expectativas sobre você -
pelo menos nas boas viagens costuma ser assim. A viajante sai em busca de si e
do mundo e de tudo que puder encontrar.
Quando volta ou viaja outra vez, ao
mesmo tempo, deixa um mundo e leva um outro consigo. Nem o que fica nem o que
vai são os mesmos depois do encontro. Ela, viajante, não pertence ao mundo que
visitou. Mas o mundo que ela leva agora dentro de si, de alguma forma, aquele
pedacinho, pertence a ela. Talvez por isso me dá essa vontade de não pertencer
por um tempo a nenhum lugar: para que mais lugares possam habitar em mim. Eu
quero sair e conquistar um novo lugar, num novo idioma, habitar um novo espaço
não só no mundo, mas também dentro de mim.
Bem, nada pertence de fato. Então posso
habitar. Me proponho a habitar em lugares diferentes. E aí habitar é de fato
colocar e entregar significado, como quem decora o próprio ambiente para se ver
ali. Habitar por dentro e por fora. Se tudo que aprendemos ocupa uma parte em
nós, por que não poderia considerar que eu mesma posso me habitar em diferentes
espaços internos? Mudar de casa, de cidade, de país, por ter a ver com mudar-se
por dentro. E quem sabe, depois de mudar, entender o que me faz escolher ficar.
E em cada passinho saber habitar o presente, e agradecer por ter um lugar para
sentir pertencimento, esse que me dá segurança em viajar em tantas linhas, línguas
e divagações, porque sei para onde voltar.
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